Se outras vidas precederam o nascimento, por que perdemos
sua lembrança e como poderemos resgatar com sucesso faltas esquecidas?
A lembrança não seria mais que um terrível grilhão atado aos
nossos pés. Mal saída das idades da fúria, escapando, ontem, da bestialidade feroz,
qual deve ser esse passado de cada um de nós?
Pelas etapas vencidas, quantas lágrimas temos feito correr e
quanto sangue temos derramado!
Conhecemos o ódio e praticamos a injustiça. Que fardo moral
essa longa perspectiva de faltas para um pobre espírito já débil e cambaleante.
Depois, a lembrança de nosso próprio passado estaria ligada,
de forma íntima, à lembrança do passado de outras pessoas. Que desagradável
situação para o culpado, marcado assim com o ferro em brasa pela eternidade!
E os ódios, os erros se perpetuariam pela mesma razão,
criando divisões profundas e eternas no seio dessa humanidade já tão
sacrificada. Sim, Deus fez bem em apagar de nossos frágeis cérebros a lembrança
de um passado perigoso. Após termos bebido as águas do rio dos infernos – dos esquecimentos,
renascemos numa nova vida. Uma educação diferente, uma civilização mais ampla
faz espantar os fantasmas que perturbaram outrora nosso espírito.
Aliviados dessa bagagem pesada, avançamos com passo mais
rápido pelas sendas que nos são abertas. No entanto, esse passado não está tão
extinto que não lhe possamos entrever alguns vestígios.
Se livres das influências exteriores, descermos ao fundo de
nosso ser, se analisarmos com cuidado nossas preferências e nossas aspirações,
descobriremos coisas que nada, em nossa atual existência e na educação
recebida, pode explicar.
Partindo dai, chegaremos a reconstruir esse passado, senão
em seus pormenores, pelo menos em suas grandes linhas.
Quanto às faltas ocasionando nesta vida uma expiação
consentida, ainda que apagadas momentaneamente aos nossos olhos, sua causa
primária não permanece menos visíveis para sempre, isto é, nossas paixões,
nosso caráter ardente que novas encarnações terão como meta, curvar e domar.
Assim, pois, se deixamos sob o esquecimento as mais
perigosas lembranças, carregamos, pelo menos, conosco o fruto e as
consequências dos trabalhos recentemente conquistados, isto é, uma consciência,
um julgamento e um caráter talhados por nós mesmos. O que chamamos desigualdade
não é outra coisa senão a herança intelectual e moral que as vidas passadas nos
legam. Cada vez que se abrem para nós as portas da morte, quando, separada do
jugo material, nossa alma escapa de sua prisão de carne para entrar novamente
no império dos espíritos, então o passado reaparece inteiramente diante dela. Uma
pós outra, na rota percorrida, ela revê suas existências: - as quedas, as
conquistas e as marchas rápidas. Ela se julga a si mesma medindo o caminho
percorrido e, no espetáculo de seus sucessos ou de suas vergonhas, colocados
diante dela, encontra seu castigo ou sua recompensa.
Homem, meu irmão, tem Fé em teu destino, porque ele é
grande. Confia nas amplas perspectivas porque ele põe em teu pensamento a
energia necessária para enfrentar os ventos e as tempestades do mundo.
Caminha, valente lutador, sobre a encosta que conduz a esses
cimos que se chamam Virtude, Dever e Sacrifício. Não pare no caminho para
colher as florezinhas do campo, para brincar com as pedrinhas que faíscam a luz
do sol. Siga em frente, sempre adiante. Olha nos esplêndidos céus, esses astros
luminosos, esses sóis incontáveis que carregam em suas evoluções prodigiosas,
brilhantes cortejos de Planetas. Quantos séculos acumulados foram precisos para
formá-los e quantos séculos serão necessários para dissolvê-los. Pois bem,
chegará um dia em que todos esses sóis serão extintos, ou esses mundos
gigantescos desaparecerão, para dar lugar a novos globos e a outras famílias de
astros emergindo das profundezas. Nada do que vês hoje existirá. O vento dos
espaços terá varrido para sempre, prosseguindo tua marcha eterna no seio de uma
criação renovada incessantemente.
Que serão então, para tua alma depurada e engrandecida, as
sombras e os cuidados do presente?
Acidentes fugazes de nossa caminhada que só deixarão, no
fundo de nossa memória, lembranças tristes e doces.
Diante dos horizontes infinitos da imortalidade, os males do
passado e as provas sofridas serão qual uma nuvem fugidia no meio de um céu
sereno. Considere, portanto, no seu justo valor, as coisas da Terra. Não as
desdenhes porque, sem dúvida, elas são necessárias ao teu progresso, e tua obra
é contribuir para o teu aperfeiçoamento, melhorando a ti mesmo, mas que tua
alma não se agarre exclusivamente a elas, e que busque, antes de tudo, os
ensinamentos nelas contidos. Graças a elas, compreenderás que o objetivo da
vida não é o gozo, nem a felicidade, porém o desenvolvimento por meio do
trabalho, do estudo e do cumprimento do dever, dessa alma, dessa personalidade
que encontrarás além-túmulo, tal como a tenhas feito, tu mesmo, no curso dessa
existência terrestre.
Varinha Mágica de Luíza Cony
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