O estudo do Universo leva-nos ao estudo da Alma, à busca do
princípio vital que dirige nossos atos. A inteligência não pode vir da matéria.
A fisiologia nos ensina que as diversas partes do corpo humano se renovam em um
período de poucos anos; sob a ação de duas grandes correntes vitais ocorre em
nós uma mudança constante de moléculas; aquelas que o organismo elimina são
substituídas por outras provenientes da alimentação. Tudo em nosso ser físico,
desde as substâncias moles do cérebro até as partes mais duras do esqueleto,
submete-se a contínuas mudanças. Nosso corpo se dissolve e se reconstitui
inúmeras vezes durante a vida, e apesar disso, não obstante todas as
transformações do organismo, nós conservamos sempre a mesma personalidade.
A matéria de nosso cérebro pode se renovar, mas nosso
pensamento é sempre idêntico a si mesmo e com ele subsiste a nossa memória, a
lembrança de um passado ao qual o nosso corpo atual não esteve presente.
Existe, pois, em nós um princípio diferente da matéria, uma força invisível que
persiste e se mantém não obstante este perpétuo renovar-se.
Sabemos que a matéria não pode por si própria organizar-se e
produzir vida, pois que, desprovida de unidade, ela se desagrega e se subdivide
ao infinito. Em nós, ao contrário, todas as faculdades, todas as potências
intelectuais e morais se agrupam em uma unidade central que as compreende,
une-as e ilumina-as, e esta unidade é a consciência, a personalidade, o EU, a
Alma.
A Alma é o princípio da vida, a causa das sensações, a força
invisível, indissolúvel que rege o nosso organismo e mantém a concordância
entre todas as partes de nosso ser. As faculdades da Alma nada tem em comum com a matéria; a
inteligência, a razão, o critério, a vontade, não podem se confundir com o sangue
de nossas veias, ou com os tecidos de nossos músculos. O mesmo se diz da
consciência, deste privilégio que nos permite medir nossos atos, discernir o
bem do mal. Esta linguagem íntima que se dirige a todos, aos mais humildes
tanto quanto aos mais elevados, esta voz cuja reprovação pode perturbar o
brilho das glórias mais excelsas, nada tem de material.
Correntes contraditórias se agitam em nós; os apetites, os
desejos imoderados lutam contra a razão e o sentimento do dever. Se fossemos
apenas matéria, não conheceríamos estas lutas, estas batalhas, e nos
deixaríamos vencer sem obstáculos e sem remorsos pelas nossas naturais
tendências. Ao contrário, a vontade está em conflito frequente com o instinto;
por ela podemos escapar às influências da matéria, dominá-la e fazer dela um
dócil instrumento. Não vemos homens, nascidos em condições difíceis, superar
todos os obstáculos, a miséria, a enfermidade, e atingir os mais altos postos
com seus esforços enérgicos e perseverantes? Não vemos a superioridade da alma sobre o corpo afirmar-se, de modo ainda mais
luminoso, no espetáculo dos grandes sacrifícios e dos históricos holocaustos?
Ninguém ignora os mártires do dever e da verdade revelada antes do tempo, como
todos aqueles que pelo bem da Humanidade foram perseguidos, atormentados,
mortos, puderam, em meio às torturas e diante da morte, dominar a matéria e, em
nome de um grande ideal, impor silêncio às rebeliões da carne.
Se em nós apenas houvesse matéria, logo que o corpo imerge
no sono não veríamos o espírito viver e agir sem o concurso dos sentidos, e nos
mostrar como uma incessante atividade é a condição própria de sua natureza. A
lucidez magnética, a visão à distância independente do órgão da vista, a previsão dos acontecimentos, a leitura do
pensamento, são outras tantas provas evidentes da existência da Alma.
Assim é que, fraco ou forte, ignorante ou iluminado, um
Espírito vive em nós e rege este corpo que depende dele e é seu instrumento.
Este Espírito é livre, perceptível, por isso responsável: Ele pode, querendo,
melhorar transformando-se, e tender para o bem, amparado em sua estrada por um
ideal, confuso em alguns, luminoso em outros. Quanto maior este ideal, mais as
obras que inspira são úteis e gloriosas: Feliz Alma que em seu caminho é sustentada
por um nobre entusiasmo, pelo Amor à Verdade, à Justiça, à Pátria, à
Humanidade! Ela se elevará rapidamente, sua passagem deixará traço profundo em
toda parte, um sulco do qual surgirá uma conquista abençoada.
* * *
Estabelecida a existência da alma, impõe-se logo a questão
da sua imortalidade. É problema da maior importância, visto que a imortalidade
é a única sanção da lei Moral, a única concepção que satisfaz à nossa ideia de
Justiça e corresponde às mais altas
esperanças da Raça Humana.
Se nossa entidade espiritual se mantém através do perpétuo
renovar-se das moléculas e persiste na transformação do nosso corpo material, a
desagregação destas moléculas, o seu, desaparecimento final não poderão
afetá-la em sua existência.
Já vimos que nada se destrói no Universo; pois bem, quanto a
química e a física demonstram-nos que nenhum átomo se perde, que nenhuma força
desaparece, como poderemos crer que a unidade na qual se resumem todas as
potências intelectuais, o EU consciente no qual a vida se liberta dos vínculos
da fatalidade, possa se dissolver e aniquilar-se? Não somente a lógica e a
moral mas, os próprios fatos positivos psíquicos e fisiológicos concorrem para
provar a persistência do ser consciente, a nos demonstrar que a Alma se
encontra no além-túmulo do modo como se formou no curso da existência com suas
ações e com o seu trabalho.
Se a morte fosse a derradeira palavra de tudo, se os nossos
destinos se limitassem a esta vida fugidia, como se explicariam nossas
aparições a um estado melhor, a um estado perfeito, do qual nada que existe
pode nos dar ideia? Teríamos esta sede inextinguível de conhecer e de saber? Se
tudo devesse terminar com a morte, por que estas necessidades, estes sonhos,
estas tendências inexplicáveis? O grito poderoso do ser humano que vence os
séculos, as esperanças infinitas, os impulsos irresistíveis para a Luz e o
progresso seriam apenas atributos de uma sombra que passa, de um conjunto de
moléculas que se desfazem logo que se formam? A que se reduz a vida terrena tão
breve que mesmo em sua máxima duração não nos permite atingir os últimos
limites da ciência; tão cheia de
misérias, de amarguras, de desilusões que nada nos satisfaz inteiramente, de
modo que quando julgamos ter atingido o objeto de nossos desejos, nós,
insaciáveis, sentimo-nos atraídos para uma meta sempre mais distante e
inacessível?
A persistência com que perseguimos sempre, apesar de nossas
desilusões, um ideal que não é deste mundo, um bem que nos foge sempre, nos
revela a existência de alguma coisa além da vida atual. A Natureza não poderia
dar ao ser aspirações e esperanças que não encontram realização, portanto as
necessidades ilimitadas da Alma exigem indispensavelmente uma vida sem limites.
A “Varinha Mágica” de Luíza Cony
Nenhum comentário:
Postar um comentário