Como criança criada por mãe católica, pai espírita
kardecista, e estudando em colégio das freiras vicentinas, vi logo cedo,
conflitos estamparem-se nos painéis da minha mente. Fazia verdadeiros
exercícios aeróbicos para acompanhar a maratona da ginástica militar de meu
pai, e usava táticas mais eficazes para não melindrar minha mãe com nossas idas
semanais às missas da Igreja do nosso bairro. Acontecimentos muito marcantes na
minha idade pré-escolar, pois constatava até uma certa facilidade, que me encontrava num
jogo de quebra-cabeça, prontamente qualificando-me como perdedora pois minha
mãe e a freiras eram severas demais e cobravam respostas rápidas para perpetuar
meus votos como católica apostólica romana.
Em meus sonhos, via um padre conversar comigo, sobre
assuntos profundos do livro A Gênese de Allan Kardec, e acordar pela manhã, a
imagem do padre estava clara ali bem perto da cama. Moreno, alto, magro,
velhinho e muito sereno, pedia para que eu contasse ao meu pai, sobre as minhas
visões, mas eu não entendia ou tinha medo de que minha mãe se zangasse comigo.
Quando ia para a escola, gostava muito de conversar com duas freiras, a Irmã
Inês e a Madre Superiora – Irmã Vicência. Brincavam comigo, liam a Bíblia e
levavam-me ao Convento, lugar restrito somente às freiras que trabalhavam no
colégio. Mas eu tinha um privilégio e sentia-me muito alegre e feliz. Estes
cenários marcaram profundamente cada dia da infância, e assim fomentava o
desejo interior de ser freira como aquelas duas amigas.
Era evidente que não sabia o que queria; contudo, algo
mais sério estava por acontecer, e certo dia alguns amigos do papai, vieram à
nossa casa para estudar o livro A Gênese de Allan Kardec. Sentaram-se nas
cadeiras ao redor da mesa na sala de jantar e todos muito sérios, abriram seus
livros, e meu pai começou a ler um trecho do livro que dissertava sobre a
Existência de Deus. Aproximei-me e fiquei bem quietinha ouvindo atrás da porta.
Nessa época eu tinha seis ou sete anos de idade. Já sabia ler razoavelmente,
porque gostava de leituras religiosas que aprendera com papai. Atenta ao trecho
que todos passaram a discutir, ouvi um dos amigos do papai falar: “Sendo Deus a
causa primária de todas as coisas, o ponto de partida de tudo, o eixo sobre o
qual repousa o edifício da criação, é o ponto que importa considerar antes de
tudo”. Fiquei atordoada e corri para o colo do papai e disse: Quero saber mais,
quero ficar aqui nessa sessão espírita. O meu amigo padre diz que eu sou médium
e que ele vai trabalhar comigo, para ajudarmos muitas pessoas. Todos se olharam
muito espantados. Lembro-me perfeitamente o que o Senhor Tomé, um dos
presentes, disse ao meu pai: - É, Cony, sua menina traz na alma uma grande
missão. É preciso orientá-la na Doutrina Espírita para que receba a
evangelização infantil para educar a faculdade mediúnica de que é portadora. A
vida dela fará esse pedido, essa cobrança. Cedo ou tarde, alguns sofrimentos
poderão se fazer tão presentes, e talvez a Luizinha terá que suportar o turbilhão emocional que a vida
nos impõe a todos, e de não se tornar uma “escrava dos rompantes mediúnicos”. O
objetivo é contenção de excessos, precaução e inteligência na condução da
própria vida; equilíbrio e sabedoria, e
não a supressão das emoções: cada sentimento tem um valor e significado.
A mediunidade deve ser equilibrada na dose certa, com o
sentimento proporcional à circunstância. Quando as manifestações mediúnicas são
sufocadas, geram embotamento e frieza; quando escapam ao nosso controle,
extremadas e renitentes, tornam-se doentias, causando distúrbios patológicos,
tal como ocorre na ansiedade que aniquila, na raiva demente e na agitação
maníaca. O bem estar é fundamental para não minar nossa estabilidade emocional,
na verdade, para manter sob controle, tanto o transe mediúnico como as emoções
que nos afligem. Altos e baixos são
constatados na grande maioria dos
médiuns, mudanças de humor, episódios de insatisfação pessoal – tudo incomoda,
sentimentos extremamente raivosos, uma verdadeira montanha russa emocional. O
que evidencia grandes agitações, ansiedade crônica, ira descontrolada. O
cérebro passa a trabalhar sob essa forte pressão emocional. No ponto mais
severo é insuportável, para que sejam debeladas as perturbações pode ser necessária a medicação, psicoterapia
ou as duas coisas juntas.
Portanto, Cony, você como pai e espírita, tem o dever de
auxiliar a Luizinha, esclarecê-la desde agora, para conhecer os propósitos de
uma missão mediúnica, a prática da verdadeira caridade e do amor ao próximo. Explique
o que diz o Livro dos Médiuns de Allan Kardec, no capítulo XIV: Toda pessoa que
sente a influência dos Espíritos em qualquer grau de intensidade, é médium.
Essa faculdade é inerente ao homem. Por isso mesmo não constitui privilégio e
são raras as pessoas que não a possuem pelo menos em estado rudimentar. Pode-se
dizer, pois, que todos são mais ou menos médiuns. Usualmente, porém, essa
qualificação se aplica somente aos que possuem uma faculdade mediúnica bem
caracterizada, que se traduz por efeitos patentes de certa intensidade, o que
depende de uma organização mais ou menos sensitiva. Deve-se notar, ainda, que
essa faculdade não se revela em todos da mesma maneira. Os médiuns tem,
geralmente, aptidão especial para esta ou aquela ordem de fenômenos, o que os
divide em tantas variedades quantas são as espécies de manifestações. As
principais são: Médiuns de efeitos físicos, médiuns sensitivos ou
impressionáveis, auditivos, falantes, videntes, sonâmbulos (animismo),
curadores, pneumatógrafos, escreventes e psicógrafos.
Cony, fale com sua esposa Yolanda, ela precisa saber
dessas manifestações na Luizínha, para que venha concordar com você, e juntos
conduzirem a menina até o Centro Espírita Madre Joana.
- Tomé, é quase impossível, porque a Yolanda é católica
fervorosa, e você sabe que ela não admite essas nossas reuniões, e quando a
Luíza fica perto como agora, sai briga depois. A Yolanda contou que por
diversas vezes, vê a Luiza com folhas de papel de embrulhar pão, e um lápis na
mão esquerda – ela é canhota, tentando escrever coisas que nem consegue
soletrar. Diz que o Padre está ditando uma carta de amor, como fazem nas
novelas do rádio, e assim, fica sentadinha numa cadeira, segurando as folhas
rabiscadas, só que depois, a Luiza quer guardar para mostrar-me, e aí a Yolanda
joga tudo fora, coloca a menina de castigo e diz que Deus não gosta dessas
estranhezas. Chorando sem parar, a Luiza também me revela seus sentimentos, e
pede para orarmos juntos, o que o Padre – seu amigo espiritual, ensinou- me:
Orar é estar com Jesus, é alegrar-se, é deixar o coração mais feliz. O Senhor é
só bondade e sabe o que é melhor para a minha vida. Sou ainda uma criança, e
com o tempo vou aplicar-me nas leituras espíritas, cultivarei cada aprendizado
com meu amor. Minha alma é valente e, pacientemente aguardarei o momento
propício para revelar-me uma obreira do Senhor. Por isso vou silenciar esta
fase da minha existência, como uma oração que contenha a harmonia de nossa tão
antiga amizade e união espiritual. Não guardarei no coração nada que possa
ferir outro ser. Assim, minha alma será envolvida em pureza e fraternidade.
Tomarei a minha cruz e seguirei Jesus. Não haverá perigo algum que não possa
ser transformado em desafio de amor que eu, como serva fiel ampliarei como bens
de autêntica caridade para enxugar as lágrimas dos que sofrem.
De hoje em diante, a sua vida e mediunidade integram-se à
minha vida de Missionário do Cristo. Você crescerá, e mesmo na dor deverá estar
ciente de tudo o que a Doutrina Espírita esclarece. Preste atenção! Sou seu
irmão e Guia Espiritual. Acompanho-a há muitos e muitos séculos, e sei que você
estará predisposta a ultrapassar toda e qualquer barreira, haja o que houver.
Lembre-se, Luiza , estarei colocando minha mão na sua mão, para escrever (psicografia),
para muitas pessoas,sobre os valores morais, as Verdades de Jesus. As pessoas
carregam dentro delas, muitos obstáculos e limitações que parecem impedi-las de
contatar a realidade, mas também tem dentro delas a semente da espiritualidade
– a alma que contém nas profundezas a imagem de Deus.
Tome estas palavras
tão longas, hoje, e faça-as vibrar como Luz, além dos limites do que se
pode ver ou saber. Essa Luz une os corações.
Pronuncie em silêncio, e fervorosamente: O meu “AMÉM”, não será mais vazio, porque a
oração é ato nobre quando move um sentimento intenso e ardente desejo de fazer
o bem ao próximo sem
nenhum objetivo pessoal nem egoísta.
- Papai, digamos juntos: Senhor, assim seja feita a Vossa
Santa Vontade, e não segundo a nossa, porque quereis o nosso bem e sabeis
melhor do que nós o que nos é útil.
Encerrada a prece, papai pergunta: - Luiza, você sabe o
nome do seu Amigo Espiritual?
- Ele acaba de dizer que é mais conhecido como ABEL
MONSENHOR.
- Ah! Minha filhinha, estou feliz por você. Lembrarei e
sempre pronunciarei o nome dele, em nossas orações...
Alí, fora
declarada a minha escolha religiosa, num segredo quase divino, cuja chave para
desvendá-lo, o Espiritismo deu-me, depois de muitos anos, já na vida adulta.
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