terça-feira, 23 de agosto de 2016

A QUALIDADE FICOU – A QUANTIDADE MUDOU


“A planta cresce por si mesma, de dia e de noite”. É esta, sem dúvida, uma das parábolas mais misteriosas de Jesus. Focaliza a vitalidade inseparável da planta, que desentranha, aos poucos, numa grande variedade de formas e cores, sem a necessidade de uma intervenção de fora. Assim acontece também com o Reino de Deus, cuja marcha vitoriosa através da Humanidade ninguém pode sustar.
O Cristianismo de hoje é profundamente diferente do Cristianismo do ano 33 da nossa Era como o pé de trigo, pouca ou nenhuma semelhança visível tem com o grão de trigo do qual brotou. A semelhança externa entre a planta e a semente é, praticamente, nula – mas a identidade da essência é perfeita. A semente é a planta potencial, e a planta é a semente atualizada. A qualidade ficou, a quantidade mudou. Não era possível que o “grãozinho de trigo” que era o Cristianismo no ano 33 da nossa Era continuasse a ser, externamente, o mesmo no século 21. O seu destino era crescer, evolver, expandir gradualmente todas as suas forças latentes. Na semente vegetal não há perigo de adulteração, porque ela tem uma só possibilidade de evolução, tem por assim dizer, trilhos rigorosamente marcados, sobre os quais deve correr; ou se desenvolverá neste sentido exato, ou não se desenvolverá de modo algum. Mas, em se tratando da evolução da sementinha divina do Reino de Deus, entre os homens, há inúmeras possibilidades de adulteração.
Já com a entrada de Paulo de Tarso no cenário do Cristianismo principia uma grande modificação da forma primitiva da Doutrina de Jesus – e o nosso Cristianismo de hoje, no saber Teológico – mais Paulino que Crístico. Com Agostinho aparece outo fator de modificação. O nosso Cristianismo Eclesiástico de hoje inconcebível sem as ideias de pecado original e redenção pelo sangue.
Se a nossa humanidade fosse uma humanidade madura, conceberia o Cristianismo exatamente como Jesus o concebia e como brotou dos seus lábios e do seu coração. Mas uma humanidade imatura como a nossa recebe o Cristianismo, não segundo a maturidade espiritual de seu Autor, mas segundo a maturidade espiritual de seus discípulos. A imaturidade não é repugnante quando aparece como tal e não pretende ser outra coisa do que é. Uma criança com modos infantis não é repugnante; pelo contrário, pode ser até encantadora, com todas as ingenuidades e infantilidades de sua idade; mas, quando assume ares de homem maduro, causa impressão ridícula, grotesca e até revoltante. Uma criança que se porta infantilmente é agradável, uma criança que se porta adultamente é desagradável – como, por outro lado, também seria grotesco o comportamento infantil de um homem adulto.
Coisa análoga se dá com as religiões organizadas, Catolicismo, Protestantismo, Espiritismo e outras. Enquanto apenas atuam como estágios rumo ao Cristo Eterno e Universal são aceitáveis, mas, quando se arvoram em algo completo e definitivo, quando pretende ser o próprio Cristianismo do Cristo, tornam-se absurdas e antipáticas. Tudo que é natural é agradável tudo que é desnatural é desagradável.
É metafisicamente impossível organizar o elemento espiritual, divino. Organizar é definir, limitar, finitizar, - mas infinito está para além de todas essas fronteiras. O Cristianismo em si não é organizável. O que é organizável é o corpo, isto é, a parte visível, humana; mas a alma do Cristianismo não é suscetível de organização, porque ela é espírito, vida, luz. No momento que principia a organização do Cristianismo, começa a sua decadência. Mas, infelizmente, essa diminuição é um mal necessário.
Todas as igrejas e seitas, vazadas em estatutos, regulamentos, dogmas, credos, doutrinas padronizadas, ideias cristalizadas, sacramentos, rituais, etc., representam apenas o corpo ou a luta visível da religião, o simbolismo material, para além do qual existe o simbolismo espiritual, que não é organizável. Os que identificam a religião com esses símbolos externos conhecem apenas o invólucro, mas não a essência da religião, que não é o objeto de definição ou organização. Tudo o que é físico e mental é organizável; mas como cristianismo é essencialmente racional ou espiritual, segue-se que o Cristianismo como tal é inorganizável.
Pode o símbolo ser útil para que, através dele, o homem profano chegue ao simbolizado. O mal das igrejas e seitas não está em servirem de símbolos; o mal aparece quando alguma dessas sociedades organizadas proíbe seus adeptos de ultrapassar a fronteira dos dogmas e símbolos e alcançar o simbolizado. Que diríamos de um condutor que obrigasse o viajante a parar diante de um marco quilométrico à beira da estrada e olhasse apenas para a flecha colocada na bifurcação ou encruzilhada do caminho, em vez de seguir o rumo indicado? Não obedece ao sentido da flecha quem para ao pé dela, mas sim aquele que se afasta da flecha, seguindo o rumo por ela indicado. Certas igrejas ou seitas que levam a mal a seus adeptos ultrapassarem esses símbolos são como indicadores que não indicam, mas que exigem do viajante a idolatria duma adoração do próprio marco. Quebraram a ponta da flecha indicadora, para impedir que o viajante siga adiante, ultrapassando o símbolo indicador.
Assim, por exemplo, certa Teologia ensina que o rito sacramental funciona automaticamente, quando isto é uma evidente negação da Alma da Cristicidade para conservar o corpo da Teologia. Jesus não deu a uma fórmula mágica o poder de produzir efeito espiritual, automaticamente, como um computador mecânico. Isto é uma reminiscência dos “Mistérios Esotéricos” de Delfos, Eleusis etc. do tempo do Paganismo Romano, que contaminou o Cristianismo Eclesiástico.
O estágio evolutivo da Teologia, que remonta aos princípios do quarto século, foi necessário nos primeiros séculos que se seguiram ao período das catacumbas, onde não havia organização; representa a infância espiritual da Humanidade; autoridade infalível, de cima e obediência incondicional de baixo. Depois disto, o Protestantismo foi igualmente necessário como período adolescente da Humanidade rumo à maturidade do Cristo; era preciso frisar a necessidade do conhecimento dos Livros Sacros do Antigo e do Novo Testamento, praticamente substituídos, no período romano, pelos decretos dos concílios eclesiásticos e pelo escolaticismo intelectual.
Em diversos países do ocidente cristão surgiu o movimento do Espiritismo Doutrinário, cuja missão também está em frisar a continuidade da vida após a morte e a necessidade da beneficência social, sobretudo em clamar pela completa gratuidade dos serviços religiosos, preceitos esses que o Catolicismo Romano e o Protestantismo não haviam tomado bastante a sério.
O Cristianismo não é Romano, nem Protestante, mas estas e outras formas de religião são até certo ponto, necessárias para a Humanidade em marcha. A majestade hierárquica, da Liturgia Romana, a seriedade da investigação bíblica cultivada pelo Protestantismo; o espírito de sacrifício com que o Espiritismo pratica a caridade social; tudo isto é necessário para abrir caminho – rumo ao Cristianismo Eterno e Universal. Cada uma dessas organizações contribui com sua pedrinha peculiar para o acabamento do gigantesco santuário do Cristianismo Cósmico.
O mal não está nessa contribuição, mas sim na presunção de alguns desses movimentos que pretendem monopolizar o CRISTO e identificar a sua igreja ou seita com o Cristianismo Universal. Essa presunção nasce da incapacidade de enxergarem o TODO numa visão panorâmica, e essa incapacidade é filha do egoísmo unilateral. Entretanto, a planta divina do Cristianismo vai crescendo à serena claridade solar da bonança e por entre as tempestades noturnas da tribulação. O princípio vital é invisível em si mesmo, mas o que produz é visível. A raiz, a haste, as folhas, as flores, os frutos – tudo isto faz parte da planta, mas nenhuma dessas partes é a planta, nem mesmo a soma total desses elementos. Enquanto essas partes mantém contato vital com a misteriosa alma da planta, cumprem a sua missão; no dia e na hora em que obstruírem a circulação das seivas vitais da alma da planta, começa a agonia da planta. Ninguém pode matar a vida; só podemos desligar a Vida Universal de alguns dos seus veículos individuais.
As Organizações Eclesiásticas não devem substituir o Evangelho do Cristo, o CORPO não deve matar a ALMA.
A “Varinha Mágica” de Luíza Cony


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